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segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Quebra do sigilo bancário e fiscal para fins de hipossuficiência constitui abuso de poder

 

Dir. Processual Civil

 - Atualizado em 

Quebra do sigilo bancário e fiscal para fins de hipossuficiência constitui abuso de poder

Quebra do sigilo bancário e fiscal para fins de hipossuficiência constitui abuso de poder

As decisões padronizadas de muitos juízes determinando que a parte autora junte cópia da declaração de imposto de renda e extratos bancários, para fins de demonstrar a hipossuficiência, desnatura a eficácia da declaração de presunção de veracidade de insuficiência , além de violar a garantia constitucional do direito à intimidade e privacidade, expondo dados à parte ex-adversa em processo que não comporta segredo de justiça, e, por fim, obstacular o acesso à Justiça, igualmente, assegurado pela Constituição Federal.

A propósito são deveres do juiz assegurar às partes igualdade de tratamento e velar pela duração razoável do processo (art. 139 do CPC). Criar entraves ao acesso à Justiça é discriminar o autor e atentar contra o princípio da celeridade processual.

Sobre a inadmissibilidade de comprovação prévia para a concessão da gratuidade, o STJ já decidiu: “A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que a simples declaração de pobreza tem presunção juris tantum, bastando, a princípio, o simples requerimento, sem nenhuma comprovação prévia, para que lhe seja concedida a assistência judiciária gratuita”. (AgInt no AREsp 1653878/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 01/06/2020).

Com efeito, cabe a parte contrária, quando da contestação, trazer elementos de convicção e prova impugnando a declaração de insuficiência apresentada pela parte autora.

Quanto ao abuso de poder, que é quando a autoridade ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas , se afigura quando a Lei Complementar nº 105/2001, estabelece que a quebra de sigilo visa apurar ato ilícito em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente para os crimes que são especificados (art. 1º, § 4º), além de processos referentes a atos de improbidade administrativa.

O cidadão hipossuficiente ao buscar o seu direito na Justiça, que declara ser possuidor de insuficiência financeira para custear as despesas judiciais, não se enquadra em acusado de crimes ou de improbidade administrativa.

Essa declaração tem presunção juris tantum, conforme prescreve a lei e orienta a jurisprudência, a sua contrariedade exige provas quando da impugnação. Isso porque, a quebra do sigilo bancário e fiscal tem como pressuposto a ocorrência ou acusação de crimes; ir à Justiça reivindicar direito não é crime nem improbidade.

De modo que, mostra-se abusivo, de plano, determinar que a parte autora, mediante coação, promova a quebra dos sigilos bancários e fiscais, sob pena de cancelamento da distribuição do processo, para ter acesso a um direito garantido pela Constituição, que é de ingressar com uma ação judicial em busca de seu direito.

Esse quadro traz outro agravante, que é a parte ex-adversa, com que está litigiando, ter acesso a esses dados íntimos e privados da vida do autor, quando o processo não corre em segredo de justiça, onde todos os usuários do PJE podem ter acesso.

É uma devassa na vida privada e intima do autor hipossuficiente, cujo direito à intimidade é quebrada pelo próprio juízo em situação desnecessária e injustificada, apenas, com fins arrecadatórios para o caixa da Justiça.

Essa quebra indevida se enquadra no art. 10 da citada lei quando prescreve:

Art. 10. A quebra de sigilofora das hipóteses autorizadas nesta Lei Complementar, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa, aplicando-se, no que couber, o Código Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

O objetivo primordial do sigilo fiscal é impedir que as informações repassadas pelos contribuintes ao Fisco, como Receita Federal e Secretarias de Fazenda, sejam divulgadas, evitando-se que questões particulares sejam publicizadas.

Entre as informações protegidas por sigilo estão o patrimônio, a renda, movimentações financeiras, débitos, contratos, relacionamentos comerciais e valores de compra e venda de bens, por exemplo.

direito fundamental de inviolabilidade da intimidade é previsto na Constituição Federal, ao afirmar que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim como o sigilo fiscalo sigilo bancário é direito previsto na Constituição, vinculado à intimidade e à vida privada, existindo, porém, a possibilidade de acesso em razão de autorização judicial com objetivo de apurar a prática de ilícitos.

Sobre o tema, vale a seguinte transcrição:

“Ainda nos valendo do valoroso trabalho citado, tem-se a seguinte indagação: de que vale a liberdade de expressão sem o resguardo devido à intimidade privada? A propósito: “Se aos cidadãos não for assegurada uma esfera de intimidade privada, livre de ingerência externa, um lugar onde o pensamento independente e novo possa ser gestado com segurança, de que servirá a liberdade de expressão? O direito à privacidade tem como objeto, na quase poética expressão de Warren e Brandeis, ‘a privacidade da vida privada’. O escopo da proteção são os assuntos pessoais, em relação aos quais não se vislumbra interesse público legítimo na sua revelação, e que o indivíduo prefere manter privados. ‘É a invasão injustificada da privacidade individual que deve ser repreendida e, tanto quanto possível, prevenida’. Vale observar, ainda, que os maiores desafios contemporâneos à proteção da privacidade nada têm a ver com a imposição de restrições à liberdade de manifestação, enquanto relacionados, isto sim, aos imperativos da segurança nacional e da eficiência do Estado, à proliferação de sistemas de vigilância e à emergência das mídias sociais, juntamente com a manipulação de dados pessoais em redes computacionais por inúmeros, e frequentemente desconhecidos, agentes públicos e privados. Nesse contexto, pertinente, ainda, a contribuição de Alan Westing à doutrina jurídica da privacidade no mundo contemporâneo, ao caracterizar a estrutura desse direito como controle sobre os usos da informação pessoal. Nesse sentido, a privacidade, afirma, ‘é a pretensão de indivíduos, grupos ou instituições de determinarem para si quando, como e em que extensão a informação sobre eles será comunicada a outros’. Tal concepção do direito à privacidade está alinhada com o reconhecimento do seu papel social na própria preservação da personalidade e no desenvolvimento da autonomia individual.” (Voto da em. Min. Relatora Rosa Weber na ADI 5527-STF )”.

Acerca da temática, a Terceira Turma desta Corte (STJ) manifestou-se na linha cognitiva de que “a satisfação do crédito bancário, de cunho patrimonial, não pode se sobrepor ao sigilo bancário, instituto que visa proteger o direito à intimidade das pessoas, que é direito intangível da personalidade” (STJ – REsp 1.285.437/MS, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 23/5/2017, DJe 2/6/2017).

Portanto, a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (art. 5º, X, da CF/1988) e do sigilo de dados (art. 5º, XII, da CF/1988) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica, concluiu o relator.

E, por fim:

“Conquanto possível a quebra do sigilo fiscal de pessoa física ou jurídica no curso do processo, em homenagem ao preponderante interesse público, constitui requisito essencial à higidez do ato judicial que a determina achar-se amparado em fundamentação consistente, por se cuidar de medida excepcional à regra geral da preservação da privacidade preconizada no art. 5º, inciso X, da Carta Política.  Caso em que a decisão objurgada limitou-se a justificar a determinação de expedição de ofício à Receita Federal exclusivamente com base na prerrogativa judicial de autonomia na colheita de provas, o que não tem o condão de afastar a imprescindibilidade da fundamentação dos atos judiciais. Recurso especial conhecido e provido. (STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.220.307 – SP (2010/0192022-8) – rel. Min. Aldir Passarinho Junior – 4ª Turma –  j. 17/03/2011).

Redação

Boris Kalil Professor e Advogado

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Foto: divulgação da Web

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