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quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Retrocessão é a caduquice do decreto de desapropriação por falta de utilidade do imóvel

 

Direito Civil

 - Atualizado em 


Retrocessão é o instituto mediante o qual o particular questiona a desapropriação efetivada pelo Poder Público, quando este não confere ao bem o destino para o qual ele foi expropriado. Também é pode-se denominar de tredestinação ilícita quando a utilização do imóvel é objeto de desvio de finalidade que não seja de utilidade pública.

Esse instituto ocorre quando é decretada a desapropriação de um imóvel para um determinado objetivo para atender ao interesse público, e decorrido mais de cinco anos sem que o Poder Público utilize-o para um fim de utilidade pública,  resulta na caducidade do decreto que poderá ser objeto de retrocessão.

Desapropriação é o ato pelo qual o Poder Público, mediante prévio procedimento e indenização justa, em razão de uma necessidade ou utilidade pública, ou ainda diante do interesse social, despoja alguém de sua propriedade e a toma para si.

caducidade do decreto expropriatório apresenta-se como um dos limites ao poder de desapropriar, ou seja, dentre vários outros freios criados pelo constituinte originário e pelo legislador, a caducidade é o instituto que estipula um prazo para a efetivação da desapropriação, vedando a emissão de nova declaração para o mesmo objeto antes de decorrido o prazo legal.

retrocessão é o instituto por meio do qual ao expropriado é lícito pleitear as consequências pelo fato de o imóvel não ter sido utilizado para os fins declarados no decreto expropriatório. Nessas hipóteses, a lei permite que a parte que foi despojada do seu direito de propriedade possa reivindicá-lo e, diante da impossibilidade de fazê-lo (ad impossibilia nemo tenetur), venha postular em juízo a reparação pelas perdas e danos sofrido” (STJ – EDcl nos EDcl no REsp N° 841.399/SP, j. 14.09.2010, p. 06.10.2010).

O direito de se alegar desvio de finalidade a desapropriação realizada é do proprietário expropriado, não sendo uma faculdade de qualquer terceiro. A falta de utilização do bem só seria oponível pelo expropriado que possa ter sido prejudicado com a desapropriação.

Sobre a temática veja-se o seguinte acórdão:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – REEXAME NECESSÁRIO – PRELIMINARES – REJEIÇÃO – AÇÃO DE RETROCESSÃO – DESAPROPRIAÇÃO – DESVIO DE FINALIDADE – OCORRÊNCIA – CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS – POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA. A retrocessão importa em direito de preferência do expropriado em reaver o bem, ou à conversão em perdas e danos, ao qual não foi dado o destino que motivara a desapropriação. Restando evidenciado que o réu não deu ao imóvel expropriado o destino determinado do decreto expropriatório, cabível a retrocessão. DANOS MORAIS – AFASTAMENTO – NÃO COMPROVAÇÃO. Conquanto não haja nenhuma limitação fática apriorística que determine o repúdio de uma corrente segundo a qual haja instransponíveis condições de dor ou de afetação da imagem pública do ser humano para justificar ou não o atendimento ao dano puramente moral, mesmo porque o só sentimento de injustiça derivado do ilícito já geraria condições jurídicas capaz de movimentar a responsabilidade, o fato é que no caso dos autos, penso que a retrocessão não tem o condão, por si só, de caracterizar dano moral passível de reparação aos autores, mormente porque fundamentam o pedido em relação a terceiros. Confirmada integralmente a sentença no reexame necessário, prejudicado o apelo do Município. Não provido o apelo dos autores.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0145.06.328507-9/001, Relator(a): Des.(a) Judimar Biber , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/02/2015, publicação da súmula em 06/03/2015).

Do voto relator extrai-se a seguinte manifestação:

“Segundo ensina Hely Lopes Meirelles:

Retrocessão é a obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer o bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropriatório. (In, “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, p. 520)

E ainda:

A retrocessão é, pois, uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado, e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. (obra citada, p. 535)

Na lição de Kiyoshi Harada:

A desapropriação só pode fundar-se no interesse público, que se desdobra em necessidade ou utilidade pública, interesse social, interesse social para fins de reforma agrária, interesse urbanístico e abolição de gleba nociva à sociedade.

Cabe o Judiciário verificar se determinado ato expropriatório tem ou não amparo nas hipóteses legais exteriorizadoras do interesse púbico, o que é bem diferente do exame de oportunidade e conveniência daquele ato. O bens desapropriados, como não poderia deixar de ser, vinculam-se ao interesse público específico invocado pelo expropriante sob pena de devolução ao antigo proprietário. O desvio na destinação do imóvel desapropriado enseja a retrocessão, que outra coisa não é senão a reincorporação do bem expropriado ao patrimônio do ex-proprietário, mediante devolução da indenização recebida, por inexistir o vínculo entre o sacrifício suportado pelo particular e o interesse público invocado como razão de desapropriar. (In, “Desapropriação Doutrina e Prática”, 8a edição, Atlas, 2009, p. 212)

De acordo com o artigo 1.150 do Código Civil de 1916, o ente federado poderia oferecer ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tivesse o destino para que se desapropriou.

A norma equivalente no Código Civil de 2002 estabelece:

Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.

José Costa Loures e Taís Maria Loures Dolabela Guimarães ensinam que em dois pontos o dispositivo atual se diferencia do Código anterior:

No primeiro, o modo de acatar a Jurisprudência vitoriosa, ampliando as razões que autorizam o exercício do direito de retrocessão do expropriado. Assim, além do desvio de destinação específica, amolda-se o rigor da destinação com o acréscimo da utilização da coisa em obras e serviços públicos. O adendo se justificaria pela própria expressão verbal, mas insta considerar as mais variadas hipóteses em que, mudadas as circunstâncias originais que impuseram a fixação do destino a ser dado ao bem expropriado, um interesse social maior exige alteração de rumos, pela realização de obras e serviços públicos diversos da destinação primitiva. Quanto à segunda alteração, no direito anterior, o expropriado devia pagar pelo retorno, ou retrocessão o preço por ele recebido do poder expropriante. Diversamente, agora se dispõe que deverá fazê-lo pelo preço atual da coisa. (In, “Novo Código Civil Comentado”, Del Rey, 2002, p. 225/226)

De uma análise acurada dos autos, verifico que o Decreto nº 2361/1980 (fls. 40/41) declarou de utilidade pública o imóvel dos autores e que a desapropriação destinava-se à implantação de novo Terminal Rodoviário de Passageiros de Juiz de Fora, tendo a indenização observado o valor de mercado do imóvel à época, conforme perícia realizada (fls. 49/50).

Por sua vez, o imóvel dos autores foi vendido ao Município em 26/06/1980, conforme Registro de Imóveis de fls. 37.

Às fls. 38, vê-se que o imóvel dos autores, juntamente com outros imóveis, receberam novo número de matrícula e foram desmembrados em duas novas matrículas, 46551 e 46555, isso em 13/09/2002.

Nesta última data, os imóveis desmembrados, sob a matrícula 46551, foram vendidos às empresas U&M Mineração e Construção S/A e Zênite Empreendimentos Imobiliários LTDA, como se vê dos documentos de fls. 39 e 42/48.

Logo, e o próprio réu confessa, não foi dada a utilidade inicialmente prevista para o imóvel desapropriado, também não houve retrocessão lícita, mas ilícita, uma vez que o imóvel foi vendido a empresas comerciais, de modo que o pedido de retrocessão e conversão em perdas e danos é, de fato, procedente.

Em outras palavras, não houve tredestinação lícita, já que não comprovado pelo Município que houve destinação pública do imóvel, ao sustentar que, embora não tenha se destinado à construção do empreendimento original, fora fundido, desmembrado e alienado a particulares para a implantação de infraestrutura diretamente relacionada à circulação dos usuários do terminal, ônus do qual não se desincumbiu.

Da mesma forma, segundo pacífica posição do Superior Tribunal de Justiça, cabe retrocessão no procedimento desapropriatório, ainda que amigável, senão vejamos:

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. RETROCESSÃO. DESTINAÇÃO DIVERSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O DESVIO TENHA FAVORECIDO AO PARTICULAR. FINALIDADE PÚBLICA ATINGIDA. RECURSO ESPECIAL NÃO-PROVIDO. 1. Ação ordinária de retrocessão com pedido alternativo de condenação em perdas e danos ajuizada por NELSON PIRES E CÔNJUGE em desfavor do MUNICÍPIO DE CUBATÃO objetivando a retrocessão de imóvel desapropriado para fins de implantação de parque ecológico que teve a sua destinação alterada. Sentença julgando improcedente o pedido por considerar que não há desvio de finalidade se a atual destinação atende, de outra forma, ao interesse público. Interposta apelação pelos autores, o TJSP negou-lhe provimento por entender que: a) foi dada ao bem outra finalidade de interesse público, com a preocupação de preservação ambiental; b) houve renúncia ao direito de preferência na aquisição do bem por ocasião da desapropriação amigável; c) a propriedade foi devidamente indenizada, não restando comprovados outros prejuízos a justificar a condenação em perdas e danos. Recurso especial dos autores apontando violação dos arts. 1.150 do CC de 1916 e 35 do Decreto-Lei nº 3.365/41, além de dissídio jurisprudencial. Aponta como fundamentos: a) a simples inserção de uma cláusula de renúncia ao direito de recompra não pode se sobrepor aos ditames do art. 1.150 do Código Civil de 1916; b) houve desvio de finalidade do ato atacado. Contra-razões pelo não-provimento do recurso. 2. Acerca da natureza jurídica da retrocessão, temos três correntes principais: aquela que entende ser a retrocessão um direito real em face do direito constitucional de propriedade (CF, artigo 5º, XXII) que só poderá ser contestado para fins de desapropriação por utilidade pública, CF, artigo 5º, XXIV. Uma outra entende que o referido instituto é um direito pessoal de devolver o bem ao expropriado, em face do disposto no artigo 35 da Lei 3.365/41, que diz que “os bens incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação, devendo qualquer suposto direito do expropriado ser resolvido por perdas e danos.”. Por derradeiro, temos os defensores da natureza mista da retrocessão (real e pessoal) em que o expropriado poderá requerer a preempção ou, caso isso seja inviável, a resolução em perdas e danos. 3. Esta Superior Corte de Justiça possui jurisprudência dominante no sentido de que não cabe a retrocessão no caso de ter sido dada ao bem destinação diversa daquela que motivou a expropriação. 4. Os autos revelam que a desapropriação foi realizada mediante escritura pública para o fim de implantação de um Parque Ecológico, o que traria diversos benefícios de natureza ambiental em face dos já tão conhecidos problemas relativos à poluição sofridos pela população daquela região. O imóvel objeto da expropriação foi afetado para instalação de um pólo industrial metal-mecânico, terminal intermodal de cargas rodoviário, um centro de pesquisas ambientais, um posto de abastecimento de combustíveis, um centro comercial com 32 módulos de 32 m cada, um estacionamento, restaurante/lanchonete. 5. A inserção da cláusula de renúncia ao direito de recompra constante da escritura pública de desapropriação amigável, por si só, não constitui óbice a que se conheça a retrocessão. Ocorre que, no caso dos autos, inócuo se afigura tal argumento, pois firmada a conclusão no sentido de que não houve o desvio de finalidade do imóvel expropriado a justificar a retrocessão requerida, porque não demonstrado o favorecimento de pessoas de direito privado, tendo sido atingida a finalidade pública almejada. 6. Não demonstrado favorecimento de pessoas de direito privado: Finalidade pública atingida. 7. Recurso não-provido. (STJ, REsp 819191-SP, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, Data do Julgamento 11/04/2006, Data da Publicação/Fonte DJ 22/05/2006 p. 176 – grifo nosso)”

TJMG


 

Foto: divulgação da Web

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação do Governo Federal

 

Dir. Processual Civil

 - Atualizado em 


A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença do Juízo da 2ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia que julgou improcedente o pedido de usucapião ordinária em imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH) pelo fato de o bem ser público, possuir caráter imprescritível e ter por finalidade atender a política habitacional do Governo Federal, de relevante função social.

Sustentam os apelantes, em síntese, que possuem direito adquirido devido ao decurso do tempo, por residirem no bem como se dono fossem por aproximadamente 9 anos, arcando com todos os impostos referentes ao bem, cuidando com zelo e utilizando para sua moradia, sem oposição. Afirmam que a Caixa Econômica Federal (CEF) abandonou o bem, não oferecendo qualquer oposição em relação aos apelantes da demanda durante o lapso de pelo menos 4 anos consecutivos, após a arrematação do imóvel, demonstrando que a função social não é cumprida.

Ao analisar o caso, o relator, desembargador federal Carlos Augusto Brandão, afirmou que ficou constatado que o imóvel de que tratam os autos é vinculado ao Sistema Financeiro Habitacional (SFH) conforme consta no registro de imóvel.

Diante desse fato, destacou o magistrado, constata-se a impossibilidade de usucapião do imóvel em questão, uma vez que é vinculado ao SFH e atende à política habitacional do Governo Federal de relevante função social, regulamentada pela Lei 4.380/1964. O bem é considerado público e, portanto, imprescritível.

O relator asseverou que não deixa de ser público o imóvel pelo fato de a Caixa Econômica Federal (CEF) ser empresa pública com personalidade jurídica de direito privado, pois no caso em questão atua como agente financeiro dos programas oficiais de habitação e órgão de execução da política habitacional.

Para concluir, o desembargador federal salientou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui jurisprudência pacífica no sentindo de não ser cabível a aquisição da propriedade por usucapião de imóvel vinculado ao SFH.

A decisão foi unânime.

Processo 1000426-71.2017.4.01.3803

Data do julgamento: 13/08/2021

JR

Assessoria de Comunicação Social

Tribunal Regional Federal da 1ª Região


Foto: divulgação da Web

segunda-feira, 26 de julho de 2021

TJSP: Arrematante de imóvel em leilão não precisa pagar dívidas de IPTU

 

Direito Tributário

 - Atualizado em 


Quando um imóvel é arrematado em leilão, o comprador não precisa quitar eventuais dívidas anteriores de imposto predial e territorial urbano (IPTU). Esse é o entendimento que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem adotando em julgamentos dos últimos meses.

O Tribunal de Justiça de São Paulo vem decidindo a prevalência do art. 130 do Código Tributário Nacional, pelo qual os créditos tributários do fisco municipal são transferidos para o próprio preço do imóvel arrematado em leilão, e que os Editais não têm o condão de desfazer o CTN.

O acórdão ficou assim ementado:

APELAÇÃO Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária Débitos de IPTU anteriores à arrematação Sub-rogação no respectivo preço Art. 130, parágrafo único, do CTN Previsão no edital de leilão estabelecendo a responsabilidade do arrematante pelos débitos constituídos sobre o imóvel anteriormente à arrematação Violação do princípio da legalidade O CTN trata de normas cogentes, de observância obrigatória, não passíveis de revogação pelo edital ou de renúncia pelas partes RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP – 18ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO N° 1000782-30.2020.8.26.0053 – Rel. Des. Henriques Harris Júnior – j. 20 de abril de 2021.). No mesmo sentido: Processos nºs 1000483-42.2020.8.26.0477 e
1014309-83.2019.8.26.0053

Veja o voto o e. relator:

“De rigor o desprovimento do recurso.

Dispõe art. 130, parágrafo único, do CTN:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a subrogação ocorre sobre o respectivo preço.

Infere-se do parágrafo único que, diante da aquisição de bem imóvel em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorrerá sobre o respectivo preço, ou seja, o arrematante recebe o imóvel livre de quaisquer ônus tributários pretéritos à arrematação.

Segundo Luiz Alberto Gurgel de Faria: Regra interessante consta no parágrafo único, no sentido de que os tributos porventura incidentes nas situações destacadas no caput subrogam-se no lanço ofertado, quando os imóveis são arrematados em hasta pública, demonstrando que nenhuma obrigação será repassada ao arrematante. (Código Tributário Nacional Comentado. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2013, p. 690)

No mesmo sentido, confira-se a lição de Hugo de Brito Machado:

Se o bem imóvel é arrematado em hasta pública, vinculado ficará o respectivo preço. Não o bem. O arrematante não é responsável tributário (CTN, art. 130, parágrafo único). A não ser assim, ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o preço respectivo. Justifica-se o disposto no art. 130 do CTN porque entre o arrematante e o anterior proprietário do bem não se estabelece relação jurídica nenhuma. A propriedade é adquirida pelo arrematante em virtude de ato judicial e não de ato negocial privado. (Curso de Direito Tributário. 22ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 134)

Confira-se, ademais, o entendimento consolidado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE SE IMPOR RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ARREMATANTE EM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR À ARREMATAÇÃO. 1. Em se tratando de arrematação em hasta pública, os créditos tributários relativos a tributos incidentes sobre bens imóveis subrogam-se no respectivo preço (art. 130 do CTN), afastada a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários referentes ao período anterior à arrematação. Nesse sentido: REsp 909.254/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 21.11.2008; REsp 954.176/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 23.6.2009; AgRg no Ag 1.137.529/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2.2.2010. […] (RMS 27.486/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012)

Todavia, a problemática se relaciona à previsão do edital de que eventuais ônus incidentes sobre o imóvel seriam de responsabilidade do arrematante. Em face do princípio da vinculação ao edital e considerando que este é “lei” entre as partes, entende a Prefeitura que o arrematante anuiu com as disposições ao aceitar participar do certame.

Para análise dessa peculiaridade se mostra necessário tecer algumas ponderações. O Direito Tributário é ramo do Direito Público e compõe-se de normas cogentes, de observância obrigatória para todos, inclusive o Fisco. Segundo Hugo de Brito Machado, “Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”.

Pelo Princípio da Legalidade Tributária, exclusivamente a lei “deve conter todos os elementos e pressupostos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e alíquotas), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de defini-los, ainda que em parte” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. Malheiros Editores, 2006. Pág. 248)

Neste diapasão, o Código Tributário Nacional, que tem status/natureza de lei complementar (sendo alterado somente através de Lei Complementar), é norma imperativa e prescreve:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

[…] III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do §3º do art. 52, e do seu sujeito passivo.

Com efeito, no caso vertente, a responsabilidade tributária não se transfere ao arrematante a teor do art. 130, parágrafo único do CTN. O edital, que tem natureza jurídica de oferta pública (e não de lei), deve atender aos preceitos legais, subordinando-se a eles. Assim, a Administração Pública, ao promover a licitação, está vinculada aos parâmetros fixados em lei e só pode agir conforme determinação legal (Princípio da Legalidade Administrativa).

Consequentemente, o edital não pode modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias ou a responsabilidade pelo pagamento contrariando às disposições do CTN. Conclui-se que a previsão que estabelece ao arrematante a responsabilidade por eventuais débitos tributários é inválida e, portanto, nula de pleno direito.

Entendimento diverso do aqui demonstrado levaria a permissão de que o edital pudesse legislar sobre responsabilidade tributária, prevalecendo a convenção entre as partes em detrimento do Código Tributário Nacional. E, ainda, tornaria o parágrafo único do art. 130 do CTN letra morta, porquanto é deveras recorrente editais que atribuem ao arrematante o dever do pagamento de tributos anteriores à arrematação.

[…] tornou-se praxe nos leilões realizados pelo poder Judiciário fazer constar nos editais de leilão que a venda do imóvel penhorado só será feita livre e desembaraçada, de acordo com o parágrafo único do artigo 130 do CTN, se o produto da arrematação satisfizer o crédito do autor da ação. Em outras palavras, pretende-se afastar o dispositivo legal que exclui a responsabilidade do arrematante por dívida tributária anteriores à arrematação, caso valor obtido se revele insuficiente para saldar a dívida. […] se até mesmo lei ordinária não poderia afastar a aplicação do parágrafo único do artigo 130 do CTN, que é de observância obrigatória para todos, inclusive para a Fazenda Pública, muito menos um edital de hasta pública, que tem natureza jurídica de simples oferta pública a terceiros, pode ser considerado meio hábil a tanto. Além do mais, voltamos a lembrar que a responsabilidade tributária é tema de Direito Público, devendo ser tratada como tal, e não como mero acerto entre as partes quando da sujeição a um edital. (CUNHA, Isabel Marques da. A Responsabilidade do Arrematante de Imóvel em Hasta Pública por Dívidas de IPTU Pretéritas. RDDT 180/85, set./2010)

Em que pese o artigo 686, IV, do CPC apontar que o edital de hasta pública deverá conter a menção da existência de ônus que recai sobre o bem, o CTN veda expressamente que o arrematante arque com o débito tributário sub judice. A arrematação tem o efeito de extinguir os ônus tributários que incidem sobre o imóvel arrematado. Além disso, o CTN é lei especial em relação ao CPC e sobre ele prepondera.

Ademais, é irrelevante a concordância do arrematante tocante às regras contidas no edital, pois as normas de Direito Tributário são imperativas, o que inviabiliza a renúncia (tácita) pelo participante frente à indisponibilidade do direito em questão.

Com conhecimento e respeito à ampla e majoritária jurisprudência em sentido contrário, a meu ver o edital de leilão de hasta pública não pode ser contra legem e ao arrematante não cabe renunciar às normas cogentes do Direito Tributário.

E, pelos mesmos motivos, igualmente irrelevante que as normativas internas do TRT da 2ª Região estabelecessem a responsabilização do arrematante pelos débitos constituídos sobre o imóvel em data anterior à arrematação.

Isto posto, imperioso reconhecer a nulidade da imputação da responsabilidade tributária do arrematante por dívida tributária anterior à arrematação.

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, majorando-se os honorários arbitrados em primeiro grau para 15% do valor atualizado da causa”

 

TJSP


Foto: divulgação da Web