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segunda-feira, 26 de julho de 2021

TJSP: Arrematante de imóvel em leilão não precisa pagar dívidas de IPTU

 

Direito Tributário

 - Atualizado em 


Quando um imóvel é arrematado em leilão, o comprador não precisa quitar eventuais dívidas anteriores de imposto predial e territorial urbano (IPTU). Esse é o entendimento que o Tribunal de Justiça de São Paulo vem adotando em julgamentos dos últimos meses.

O Tribunal de Justiça de São Paulo vem decidindo a prevalência do art. 130 do Código Tributário Nacional, pelo qual os créditos tributários do fisco municipal são transferidos para o próprio preço do imóvel arrematado em leilão, e que os Editais não têm o condão de desfazer o CTN.

O acórdão ficou assim ementado:

APELAÇÃO Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária Débitos de IPTU anteriores à arrematação Sub-rogação no respectivo preço Art. 130, parágrafo único, do CTN Previsão no edital de leilão estabelecendo a responsabilidade do arrematante pelos débitos constituídos sobre o imóvel anteriormente à arrematação Violação do princípio da legalidade O CTN trata de normas cogentes, de observância obrigatória, não passíveis de revogação pelo edital ou de renúncia pelas partes RECURSO DESPROVIDO (TJ-SP – 18ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO APELAÇÃO N° 1000782-30.2020.8.26.0053 – Rel. Des. Henriques Harris Júnior – j. 20 de abril de 2021.). No mesmo sentido: Processos nºs 1000483-42.2020.8.26.0477 e
1014309-83.2019.8.26.0053

Veja o voto o e. relator:

“De rigor o desprovimento do recurso.

Dispõe art. 130, parágrafo único, do CTN:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a subrogação ocorre sobre o respectivo preço.

Infere-se do parágrafo único que, diante da aquisição de bem imóvel em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorrerá sobre o respectivo preço, ou seja, o arrematante recebe o imóvel livre de quaisquer ônus tributários pretéritos à arrematação.

Segundo Luiz Alberto Gurgel de Faria: Regra interessante consta no parágrafo único, no sentido de que os tributos porventura incidentes nas situações destacadas no caput subrogam-se no lanço ofertado, quando os imóveis são arrematados em hasta pública, demonstrando que nenhuma obrigação será repassada ao arrematante. (Código Tributário Nacional Comentado. 6ª Ed. São Paulo: RT, 2013, p. 690)

No mesmo sentido, confira-se a lição de Hugo de Brito Machado:

Se o bem imóvel é arrematado em hasta pública, vinculado ficará o respectivo preço. Não o bem. O arrematante não é responsável tributário (CTN, art. 130, parágrafo único). A não ser assim, ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o preço respectivo. Justifica-se o disposto no art. 130 do CTN porque entre o arrematante e o anterior proprietário do bem não se estabelece relação jurídica nenhuma. A propriedade é adquirida pelo arrematante em virtude de ato judicial e não de ato negocial privado. (Curso de Direito Tributário. 22ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 134)

Confira-se, ademais, o entendimento consolidado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE SE IMPOR RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA AO ARREMATANTE EM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR À ARREMATAÇÃO. 1. Em se tratando de arrematação em hasta pública, os créditos tributários relativos a tributos incidentes sobre bens imóveis subrogam-se no respectivo preço (art. 130 do CTN), afastada a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários referentes ao período anterior à arrematação. Nesse sentido: REsp 909.254/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 21.11.2008; REsp 954.176/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 23.6.2009; AgRg no Ag 1.137.529/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2.2.2010. […] (RMS 27.486/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012)

Todavia, a problemática se relaciona à previsão do edital de que eventuais ônus incidentes sobre o imóvel seriam de responsabilidade do arrematante. Em face do princípio da vinculação ao edital e considerando que este é “lei” entre as partes, entende a Prefeitura que o arrematante anuiu com as disposições ao aceitar participar do certame.

Para análise dessa peculiaridade se mostra necessário tecer algumas ponderações. O Direito Tributário é ramo do Direito Público e compõe-se de normas cogentes, de observância obrigatória para todos, inclusive o Fisco. Segundo Hugo de Brito Machado, “Direito Tributário é o ramo do Direito que se ocupa das relações entre Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”.

Pelo Princípio da Legalidade Tributária, exclusivamente a lei “deve conter todos os elementos e pressupostos da norma jurídica tributária (hipótese de incidência do tributo, seus sujeitos ativo e passivo e suas bases de cálculo e alíquotas), não se discutindo, de forma alguma, a delegação, ao Poder Executivo, da faculdade de defini-los, ainda que em parte” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª edição. Malheiros Editores, 2006. Pág. 248)

Neste diapasão, o Código Tributário Nacional, que tem status/natureza de lei complementar (sendo alterado somente através de Lei Complementar), é norma imperativa e prescreve:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

[…] III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do §3º do art. 52, e do seu sujeito passivo.

Com efeito, no caso vertente, a responsabilidade tributária não se transfere ao arrematante a teor do art. 130, parágrafo único do CTN. O edital, que tem natureza jurídica de oferta pública (e não de lei), deve atender aos preceitos legais, subordinando-se a eles. Assim, a Administração Pública, ao promover a licitação, está vinculada aos parâmetros fixados em lei e só pode agir conforme determinação legal (Princípio da Legalidade Administrativa).

Consequentemente, o edital não pode modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias ou a responsabilidade pelo pagamento contrariando às disposições do CTN. Conclui-se que a previsão que estabelece ao arrematante a responsabilidade por eventuais débitos tributários é inválida e, portanto, nula de pleno direito.

Entendimento diverso do aqui demonstrado levaria a permissão de que o edital pudesse legislar sobre responsabilidade tributária, prevalecendo a convenção entre as partes em detrimento do Código Tributário Nacional. E, ainda, tornaria o parágrafo único do art. 130 do CTN letra morta, porquanto é deveras recorrente editais que atribuem ao arrematante o dever do pagamento de tributos anteriores à arrematação.

[…] tornou-se praxe nos leilões realizados pelo poder Judiciário fazer constar nos editais de leilão que a venda do imóvel penhorado só será feita livre e desembaraçada, de acordo com o parágrafo único do artigo 130 do CTN, se o produto da arrematação satisfizer o crédito do autor da ação. Em outras palavras, pretende-se afastar o dispositivo legal que exclui a responsabilidade do arrematante por dívida tributária anteriores à arrematação, caso valor obtido se revele insuficiente para saldar a dívida. […] se até mesmo lei ordinária não poderia afastar a aplicação do parágrafo único do artigo 130 do CTN, que é de observância obrigatória para todos, inclusive para a Fazenda Pública, muito menos um edital de hasta pública, que tem natureza jurídica de simples oferta pública a terceiros, pode ser considerado meio hábil a tanto. Além do mais, voltamos a lembrar que a responsabilidade tributária é tema de Direito Público, devendo ser tratada como tal, e não como mero acerto entre as partes quando da sujeição a um edital. (CUNHA, Isabel Marques da. A Responsabilidade do Arrematante de Imóvel em Hasta Pública por Dívidas de IPTU Pretéritas. RDDT 180/85, set./2010)

Em que pese o artigo 686, IV, do CPC apontar que o edital de hasta pública deverá conter a menção da existência de ônus que recai sobre o bem, o CTN veda expressamente que o arrematante arque com o débito tributário sub judice. A arrematação tem o efeito de extinguir os ônus tributários que incidem sobre o imóvel arrematado. Além disso, o CTN é lei especial em relação ao CPC e sobre ele prepondera.

Ademais, é irrelevante a concordância do arrematante tocante às regras contidas no edital, pois as normas de Direito Tributário são imperativas, o que inviabiliza a renúncia (tácita) pelo participante frente à indisponibilidade do direito em questão.

Com conhecimento e respeito à ampla e majoritária jurisprudência em sentido contrário, a meu ver o edital de leilão de hasta pública não pode ser contra legem e ao arrematante não cabe renunciar às normas cogentes do Direito Tributário.

E, pelos mesmos motivos, igualmente irrelevante que as normativas internas do TRT da 2ª Região estabelecessem a responsabilização do arrematante pelos débitos constituídos sobre o imóvel em data anterior à arrematação.

Isto posto, imperioso reconhecer a nulidade da imputação da responsabilidade tributária do arrematante por dívida tributária anterior à arrematação.

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, majorando-se os honorários arbitrados em primeiro grau para 15% do valor atualizado da causa”

 

TJSP


Foto: divulgação da Web