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quarta-feira, 6 de outubro de 2021

É admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge ainda na constância do vínculo conjugal

 

Direito Civil

 - Atualizado em 


É admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge ainda na constância do vínculo conjugal

O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.

No caso, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde.

Dado que as justificativas apresentadas não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar.

Veja o acórdão do STJ:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO SUFICIENTE E JURIDICAMENTE MOTIVADO. DIREITO AO NOME. ELEMENTO ESTRUTURANTE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MODIFICAÇÃO DO NOME DELINEADA EM HIPÓTESES RESTRITIVAS E EM CARÁTER EXCEPCIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL DAS REGRAS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO HISTÓRICO-EVOLUTIVA DO PRINCÍPIO DA INALTERABILIDADE. PREVALÊNCIA DA AUTONOMIA PRIVADA SOPESADA COM A SEGURANÇA JURÍDICA E A SEGURANÇA A TERCEIROS. PARTE QUE SUBSTUTUIU PATRONÍMICO FAMILIAR PELO DO CÔNJUGE NO CASAMENTO E PRETENDE RETOMAR O NOME DE SOLTEIRO AINDA NA CONSTÂNCIA DO VÍNCULO. JUSTIFICATIVAS FAMILIARES, SOCIAIS, PSICOLÓGICAS E EMOCIONAIS PLAUSÍVEIS. PRESERVAÇÃO DA HERANÇA FAMILIAR E DIFICULDADE DE ADAPTAÇÃO EM VIRTUDE DA MODIFICAÇÃO DE SUA IDENTIDADE CIVIL. AUSÊNCIA DE FRIVOLIDADE OU MERA CONVENIÊNCIA.
AUSÊNCIA DE RISCOS OU PREJUÍZOS A SEGURANÇA JURÍDICA E A TERCEIROS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.
1- Ação proposta em 01/11/2017. Recurso especial interposto em 11/03/2019 e atribuído à Relatora em 12/12/2019.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se há vício de fundamentação do acórdão recorrido; (ii) se é admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge na constância do vínculo conjugal, substituindo-se o patronímico por ele adotado por ocasião do matrimônio.
3- Não há que se falar em vício de fundamentação e em omissão na hipótese em que o acórdão recorrido se encontra suficiente e juridicamente motivado, declinando, ainda que sem referência expressa às disposições legais, as razões jurídicas que levaram à improcedência do pedido.
4- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.
5- Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros. Precedentes.
6- Na hipótese, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde.
7- Dado que as justificativas apresentadas pela parte não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações – o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar, especialmente na hipótese em que a sentença reconheceu a viabilidade, segurança e idoneidade da pretensão mediante exame de fatos e provas não infirmados pelo acórdão recorrido.
8- O provimento do recurso especial por um dos fundamentos torna despiciendo o exame dos demais suscitados pela parte (na hipótese, divergência jurisprudencial). Precedentes.
9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1873918/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 04/03/2021)

STJ


Foto: divulgação da Web

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Imóvel desapropriado inutilmente pode ser objeto de retrocessão para devolução ao expropriado

 

Direito Civil

 - Atualizado em 


Retrocessão é o instituto jurídico pelo qual o expropriado tem o direito de readquirir o imóvel desapropriado que não foi utilizado para o fim destinado ou não tenha sido usado para nenhuma finalidade, ficando sem nenhuma serventia.

Pela lei, decorrido o prazo de cinco anos nessas circunstâncias, cabe o expropriado ingressar com ação de retrocessão para reaver o imóvel objeto da desapropriação que se encontra sem função social alguma.

A inércia do expropriante diante da inutilidade do imóvel autoriza a aplicação da retrocessão para retorno deste ao seu proprietário.

Nos termos do artigo 519 do Código Civil, o ente federado poderia oferecer ao ex-proprietário o imóvel desapropriado, pelo preço por que o foi, caso não tivesse o destino para que se desapropriou.

“Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.”

A doutrina os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles:

“Retrocessão é a obrigação que se impõe ao expropriante de oferecer o bem ao expropriado, mediante a devolução do valor da indenização, quando não lhe der o destino declarado no ato expropriatório.” (In, “Direito Administrativo Brasileiro”, Malheiros, p. 520)

E ainda:

“A retrocessão é, pois, uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado, e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem.” (obra citada, p. 535).

A retrocessão traz duas situações resolutivas; a devolução do imóvel ou perdas e danos em favor do expropriado.

O prazo prescricional é de 10 (dez) anos, por envolver direito real, a contar do prazo final que o expropriante tinha para construir o edifício objeto no decreto desapropriatória ou do ato de transferência para o órgão ou Poder que teria essa incumbência.

Abre-se  um parêntese para citar orientação de Theotônio Negrão, em sua obra Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (Saraiva, 30ª ed., pág. 1.129, nota ao artigo 35, do Decreto-Lei 3365/41:

“É escólio assente na Jurisprudência desta Corte que o direito à retrocessão, desde que o bem expropriado já esteja incorporado ao patrimônio público, resolve-se em perdas e danos, excluída a reivindicação” (STJ – RDA 185/121). Neste contexto, remanesce de rigor a aplicação do artigo 177, do Código Civil, com a indicação do período de vinte anos para o prazo prescricional.

Se o expropriante optar em continua com imóvel, a alternativa será a indenização por perdas e danos, cujo valor será apurado em fase de liquidação de sentença, devendo para tanto, ser observado o desconto do valor já pago ao autor em razão da desapropriação do referido imóvel, mas considerando-se o valor de mercado de sua avaliação.

Sobre a temática, destacam-se os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL – RETROCESSÃO – DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA DE PARTE DO BEM DESAPROPRIADO – CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO RECORRIDO AO PAGAMENTO DE PERDAS E DANOS – MATÉRIA DE DIREITO – RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Cuida-se de ação ordinária de retrocessão, com pedido alternativo de indenização por perdas e danos, contra o Município de Maria da Fé-MG, ao fundamento de que parte da área expropriada não foi aplicada à qualquer finalidade pública. Acerca da polêmica existente na caracterização da natureza jurídica da retrocessão, há três correntes principais existentes: a que entende que retrocessão é uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado; a que caracteriza a retrocessão como direito real, direito à reivindicação do imóvel expropriado; e a que considera existente um direito de natureza mista (pessoal e real), cabendo ao expropriado a ação de preempção ou preferência (de natureza real) ou, se preferir, perdas e danos. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, harmônica com a jurisprudência pacífica desta egrégia Corte, “o pressuposto do instituto da retrocessão (seja concebida como mero direito de preferência, seja como direito real) só tem lugar quando o bem foi desapropriado inutilmente”. Dessa forma, não cabe a retrocessão se ao bem expropriado foi dada outra utilidade pública diversa da mencionada no ato expropriatório. In casu, porém, do exame acurado dos autos ficou demonstrado o desvio de finalidade de parcela do bem expropriado, que restou em parte abandonado, foi destinado a pastagens e à plantação de hortas, sem restar caracterizada qualquer destinação pública. Como bem ressaltou o r. Juízo de primeiro grau, “pelo exame da prova coligada nos presentes autos, entendo-se esta pelo laudo pericial e depoimentos testemunhais, vê-se que, de fato a área remanescente do imóvel desapropriado não foi utilizada pelo Poder Público, ou seja, àquela área não fora dada destinação pública, ainda que diversa da que ensejou o processo expropriatório”. No mesmo diapasão, o d. Parquet estadual concluiu que se caracteriza, “claramente, o desvio de finalidade na conduta do Administrador Público que, além de desapropriar área infinitivamente maior do que a efetivamente utilizada, ainda permitiu que particulares dela usufruíssem, prejudicando, à evidência, o direito dos autores”. Este signatário filia-se à corrente segundo a qual a retrocessão é um direito real. Na espécie, contudo, determinar a retrocessão da parte da propriedade não destinada à finalidade pública, nesta via extraordinária, em que não se sabe seu atual estado, seria por demais temerário. Dessa forma, o município recorrido deve arcar com perdas e danos, a serem calculados em liqüidação por arbitramento. A hipótese vertente não trata de matéria puramente de fato. Em verdade, cuida-se de qualificação jurídica dos fatos, que se não confunde com matéria de fato. Recurso especial provido em parte, para determinar a indenização por perdas e danos da área de 44.981 m2, que não foi aplicada a qualquer finalidade pública. (STJ – REsp: 570483 MG 2003/0074207-6, Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO, Data de Julgamento: 09/03/2004, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 30.06.2004 p. 316RSTJ vol. 191 p. 215)

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – REEXAME NECESSÁRIO – PRELIMINARES – REJEIÇÃO – AÇÃO DE RETROCESSÃO – DESAPROPRIAÇÃO – DESVIO DE FINALIDADE – OCORRÊNCIA – CONVERSÃO EM PERDAS E DANOS – POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA. A retrocessão importa em direito de preferência do expropriado em reaver o bem, ou à conversão em perdas e danos, ao qual não foi dado o destino que motivara a desapropriação. Restando evidenciado que o réu não deu ao imóvel expropriado o destino determinado do decreto expropriatório, cabível a retrocessão. (TJMG – Apelação Cível 1.0145.06.328507-9/001, Relator(a): Des.(a) Judimar Biber , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/02/2015, publicação da súmula em 06/03/2015)

“DESAPROPRIAÇÃO – Retrocessão – Prescrição – Direito de natureza real – Aplicação do prazo previsto no art. 177 do CC e não do quinquenal do De. 20.910/32 – Termo inicial – Fluência a partir da data da transferência do imóvel ao domínio particular, e não da desistência pelo Poder expropriante.” (STF, ERE 104.591/RS, Rel. Min. Djaci Falcão, DJU 10/04/87)

CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO. DESTINAÇÃO DIVERSA.PERDAS E DANOS. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ACOLHIMENTO.I – Configurada a questão como reparação por perdas e danos, de rigor a incidência da prescrição vintenária, de acordo com o artigo 177, do Código Civil.II – Embargos acolhidos, com efeitos modificativos para dar provimento ao recurso especial. (STJ – EDcl no REsp 412.634/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/03/2003, DJ 09/06/2003, p. 177)

Desapropriação. Retrocessão. Esse direito passa aos herdeiros. A expropriante não deu ao imóvel o fim previsto tendo proposto sua venda a Terceiro. Ação procedente. (AI 26619, Relator(a): GONÇALVES DE OLIVEIRA, Primeira Turma, julgado em 07/08/1962, DJ 18-10-1962 PP-03008  EMENT VOL-00518-02 PP-00679 RTJ VOL-00023-01 PP-00169 ADJ 16-11-1962 PP-00662)

EMENTA: AÇÃO DE RETROCESSÃO – DESAPROPRIAÇÃO – PROGRAMA HABITACIONAL POPULAR – DESVIO DE FINALIDADE – SENTENÇA CONFIRMADA EM DUPLO GRAU.

– É tempestivo o recurso de apelação interposto dentro do prazo de 30 (trinta) dias úteis (prazo em dobro), contados da data da intimação pessoal do procurador do Ente Municipal.

– “Retrocessão é o direito que tem o expropriado de readquirir o bem ao qual não dera o poder expropriante a finalidade específica para que fora o mesmo desapropriado.” (LACERDA, Belizário Antônio de. Da Retrocessão. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1983 p. 21).

– Havendo comprovação através de laudo pericial do desvio de finalidade da desapropriação que visava implementação de “Programa Habitacional Popular” para outra que resultou em loteamento e alienação de seus imóveis, bem como não sendo viável a devolução do imóvel ao expropriado, deve-se julgar procedente o pedido e condenar o apelante em perdas e danos, pois são esses o denominador comum para onde desagua a condenação quando não há mais condição de outorgar a prestação jurisdicional judicial “in natura”.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0005.13.001317-9/002, Relator(a): Des.(a) Belizário de Lacerda , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/11/2020, publicação da súmula em 04/12/2020).

Equipe de redação

Proteção por equiparação: quem ocupa o lugar de consumidor, segundo o STJ

 

Direito do Consumidor

 - Atualizado em 


Nas situações mais triviais do mercado, não existe dúvida sobre quem é o consumidor: o comprador de um produto ou o usuário de um serviço. Para a legislação, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária final. Mas não só.

A Lei 8.078/1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC), que trata das relações de consumo no mercado brasileiro, prevê possibilidades ampliadas de reconhecimento da figura do consumidor, a exemplo dos chamados consumidores por equiparação, ou bystanders.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, o conceito de consumidor foi construído na legislação brasileira sob ótica objetiva, voltada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de seu destinatário final.

Com isso – acrescentou o magistrado –, o legislador possibilitou que até mesmo as pessoas jurídicas assumam essa qualidade, desde que adquiram ou utilizem o produto ou serviço como destinatário final (REsp 1.536.786).

Durante o julgamento do REsp 1.162.649Salomão explicou que a expressão “destinatário final” contida no artigo 2º, caput, do CDC deve ser interpretada de forma a proteger o consumidor diante de sua reconhecida vulnerabilidade no mercado de consumo.

“Assim, considera-se consumidor aquele que retira o produto do mercado e o utiliza em proveito próprio. Sob esse enfoque, como regra, não se pode considerar destinatário final para efeito da lei protetiva aquele que, de alguma forma, adquire o produto ou serviço com intuito profissional, com a finalidade de integrá-lo no processo de produção, transformação ou comercialização”, completou.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp 1.370.139, destacou que o artigo 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do código consumerista aqueles que, embora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de algum evento danoso decorrente dessa relação.

Esta matéria apresenta alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que consolidam os entendimentos existentes na corte sobre a definição do consumidor por equiparação e, por consequência, sobre a aplicabilidade das normas do CDC.

Equiparação de vítima de acide​​nte a consumidor

Para fins de tutela diante de acidente de consumo, o CDC amplia o conceito de consumidor para abranger qualquer vítima, mesmo que ela nunca tenha contratado ou mantido relação com o fornecedor do produto ou serviço.

O entendimento foi firmado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.574.784, que, por unanimidade, considerou correta a equiparação de uma vítima de acidente a consumidor, nos termos do artigo 17 do código.

O dispositivo legal prevê que se equiparam aos consumidores “todas as vítimas do evento”; ou seja, o CDC estende o conceito de consumidor àqueles que, mesmo não tendo sido consumidores diretos, acabam por sofrer as consequências do acidente de consumo, sendo também chamados de bystanders.

O caso julgado teve como vítima uma criança que se acidentou ao tentar fugir da colisão com a porta do caminhão de uma distribuidora de cervejas Schincariol, fabricadas pela empresa Brasil Kirin Indústria de Bebidas Ltda., que transitava na via com as portas abertas.

Ao desviar da porta, a criança caiu sobre garrafas de cerveja quebradas que haviam sido deixadas na calçada cinco dias antes pelo pessoal da mesma distribuidora. Ela sofreu cortes graves no pescoço e outras lesões leves.

A Justiça estadual manteve a condenação solidária da fabricante e da distribuidora ao pagamento de danos morais no valor de R$ 15 mil.

Para a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência é clara no sentido de que “a responsabilidade de todos os integrantes da cadeia de fornecimento é objetiva e solidária, nos termos dos artigos 7º, parágrafo único20 e 25 do CDC“, sendo “impossível afastar a legislação consumerista” e a equiparação da criança a consumidor, visto que “o CDC amplia o conceito de consumidor para abranger qualquer vítima, mesmo que nunca tenha contratado ou mantido qualquer relação com o fornecedor”.

Atropelamento pode ser acidente de consum​​o

Em 2020, a Terceira Turma aplicou o conceito ampliado de consumidor, estabelecido no artigo 17 do CDC, para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que afastou a relação de consumo em ação de indenização ajuizada por um gari atropelado por ônibus enquanto trabalhava (REsp 1.787.318).

Os ministros reafirmaram o entendimento de que o CDC não exige que o consumidor também seja vítima do evento para que se confirme a extensão da relação de consumo em favor de terceiro.

O relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que, nas cadeias contratuais de consumo – que vão desde a fabricação do produto, passando pela rede de distribuição, até chegar ao consumidor final –, frequentemente, as vítimas ocasionais de acidentes de consumo não têm qualquer tipo de vínculo com o fornecedor.

Por isso, destacou o magistrado, essas pessoas estão protegidas pela regra de extensão prevista no CDC, que legitima o bystander para acionar diretamente o fornecedor responsável pelos danos sofridos.

Por outro lado, o relator ressalvou que um acidente de trânsito pode ocorrer em contexto no qual o transporte não seja de consumidores nem seja prestado por fornecedor, como no caso do transporte de empregados pelo empregador – hipótese em que não incidiria o CDC, por não se tratar de relação de consumo.

No entanto, segundo Sanseverino, se há relação de consumo e o acidente se dá no seu contexto, o fato de o consumidor não ter sido vitimado não faz diferença para que o terceiro diretamente prejudicado pelo fato seja considerado bystander.

Queda de aeronave com danos a te​​rceiros

Embora não fossem destinatários finais do serviço, os moradores de casas atingidas pela queda de uma aeronave foram equiparados a consumidores, pelo simples fato de serem vítimas do evento, decidiu a Quarta Turma.

Para o colegiado, as vítimas de acidentes aéreos localizadas em solo também podem ser consideradas consumidores por equiparação, devendo ser estendidas a elas as normas do CDC relativas a danos por fato do serviço.

A decisão foi tomada no julgamento do REsp 1.281.090, que tratou do acidente com um Fokker 100 da TAM e da indenização às famílias vitimadas.

O avião da TAM caiu no dia 31 de outubro de 1996 e deixou 99 mortos – 90 passageiros, seis tripulantes e três pessoas em terra. Ele decolou do Aeroporto de Congonhas às 8h26, em São Paulo, com destino ao Rio de Janeiro, e caiu menos de meio minuto depois, sobre oito casas.

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, relator, a queda do avião foi um caso típico dos chamados acidentes de consumo, dos quais podem advir danos a terceiros não pertencentes diretamente à relação consumerista estabelecida com o fornecedor – os bystanders, na dicção do CDC quando se refere a “todas as vítimas do evento”.

Responsabilidade da conc​​essionária de rodovia

As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com o usuário, subordinam-se aos preceitos do CDC e respondem objetivamente pelos defeitos na prestação do serviço.

A tese foi fixada pela Quarta Turma em caso que envolveu o atropelamento fatal de uma menor em trecho de rodovia administrado por concessionária. Para os ministros, a responsabilidade civil pode se estender para reparar danos causados a usuários e não usuários do serviço.

Ao analisar recurso (REsp 1.268.743) sobre a indenização decorrente do atropelamento, a turma entendeu ser devida a reparação para a família da vítima, embora esta não se enquadrasse no conceito de usuário principal do serviço. Nessas situações, quando é comprovado que o acidente não ocorreu por culpa exclusiva da vítima, surge a obrigação de indenizar o terceiro.

Os ministros concluíram que a falta de sinalização e iluminação na rodovia foi fator determinante para o acidente. “O direito de segurança do usuário está inserido no serviço público concedido, havendo presunção de que a concessionária assumiu todas as atividades e responsabilidades inerentes ao seu mister”, afirmou o ministro Salomão, relator do caso.

No mesmo julgamento, o colegiado destacou que o entendimento é válido tanto para a concessionária de serviço público quanto para o Estado, diretamente. “A jurisprudência do STJ reconhece a responsabilidade do Estado em situações similares, de modo que seria conferir tratamento diferenciado à concessionária o fato de não lhe atribuir responsabilidade no caso em tela”, concluiu Salomão.

Dano ambiental e prejuízo para a pe​sca

Para o STJ, o derramamento de óleo no litoral pode ser caracterizado como acidente de consumo, e os pescadores artesanais prejudicados são considerados consumidores por equiparação.

A tese foi reafirmada pela Segunda Seção no julgamento do CC 132.505, sob relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira. A controvérsia envolveu pescadores do Espírito Santo que ajuizaram ação indenizatória por dano ambiental contra a Chevron Brasil, em razão de um vazamento de petróleo ocorrido no litoral do Rio de Janeiro. O óleo se espalhou e prejudicou a atividade pesqueira no outro estado.

O relator explicou que o entendimento já havia sido aplicado em hipótese semelhante na Segunda Seção, quando pescadores foram considerados vítimas de acidente de consumo, visto que suas atividades foram prejudicadas por derramamento de óleo (CC 143.204).

No caso sob exame, a Justiça do Espírito Santo afirmou não ser competente para julgar um crime ambiental ocorrido em outro estado. A Justiça fluminense, por sua vez, alegou que, como os pescadores são consumidores equiparados, poderiam ajuizar a ação em seu domicílio, como preconiza o artigo 101, inciso I, do CDC.

Segundo o relator no STJ, havendo a incidência das regras consumeristas, a competência é absoluta, podendo ser conhecida de ofício pelo juízo. E, por serem os pescadores equiparados a consumidores, a regra é a do CDC, que permite ao hipossuficiente ajuizar a demanda indenizatória em seu domicílio.

Além disso – comentou Antonio Carlos Ferreira –, como o acidente ocorrido no litoral do Rio de Janeiro atingiu o território pesqueiro onde atuavam os autores da ação, este deve ser considerado o local do fato, para fins de incidência do artigo 100, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil de 1973 – aplicável ao caso em julgamento –, que, por ser norma especial, afasta a regra geral de competência do artigo 94 do mesmo código.

Comentários ofensivos em portal de no​​tícias

Uma empresa jornalística foi condenada a pagar indenização em razão de postagens ofensivas contra um desembargador de Alagoas feitas por internautas em seu portal de notícias. Ao julgar o REsp 1.352.053, a Terceira Turma reconheceu o dano moral e manteve o valor da indenização em R$ 60 mil.

A empresa publicou em seu site matéria sobre decisão do magistrado que suspendeu o interrogatório de um deputado estadual acusado de ser mandante de homicídio. Vários internautas postaram mensagens ofensivas contra o magistrado, que foram divulgadas junto à notícia.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que a jurisprudência do STJ é contrária à responsabilização dos provedores pelas mensagens postadas pelos usuários, por não ser razoável nem viável pretender que empresas da área de informática exerçam controle sobre esse conteúdo.

Porém, segundo ele, tratando-se de empresa jornalística, o controle do potencial ofensivo dos comentários não apenas é viável, como necessário, por ser atividade inerente ao objeto da empresa.

Sanseverino acrescentou que, atualmente, as redes sociais representam um verdadeiro inconsciente coletivo, que faz com que as pessoas escrevam mensagens sem a necessária reflexão prévia, dizendo coisas que em outras situações não diriam.

Desse modo, caberia à empresa jornalística exercer controle sobre as postagens para evitar danos à honra de terceiros – como ocorreu no caso julgado –, não bastando aguardar a provocação do ofendido.

“A ausência de qualquer controle, prévio ou posterior, configura defeito do serviço, uma vez que se trata de relação de consumo. Ressalte-se que o ponto nodal não é apenas a efetiva existência de controle editorial, mas a viabilidade de ele ser exercido”, ressaltou.

De acordo com o relator, sob a ótica consumerista, a responsabilidade da empresa jornalística decorre do artigo 17 do CDC, pois a vítima das ofensas, em última análise, pode ser considerada consumidor por equiparação.

Consumo intermediário não é protegi​​do pelo CDC

Para o STJ, que adota a teoria finalista na definição de consumidor, a pessoa física ou jurídica que não é destinatária fática ou econômica do bem ou serviço não ostenta essa qualidade, salvo se caracterizada a sua vulnerabilidade frente ao fornecedor.

Assim, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço.

“Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei 8.078/1990, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo”, explicou a relatora do REsp 1.195.642, ministra Nancy Andrighi.

Ao analisar o REsp 567.192, a Quarta Turma decidiu que uma sociedade empresária de pequeno porte, na relação contratual com um fornecedor de grande porte, não pode ser automaticamente considerada vulnerável, de modo a ser equiparada à figura de consumidor (artigo 29 do CDC), na hipótese em que o fornecedor não tenha violado quaisquer dos dispositivos previstos nos artigos 30 a 54 do CDC.

O ministro Raul Araújo destacou que a jurisprudência do STJ prevê uma exceção à regra: é possível autorizar a incidência do CDC quando a pessoa física ou jurídica, embora não seja propriamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade ou submetida a prática abusiva.

Banco não é responsável por che​​que roubado

A instituição financeira não deve responder pelos prejuízos suportados por empresa que, no exercício de sua atividade, recebeu como pagamento cheque que havia sido roubado durante o envio ao correntista e que não pôde ser descontado em razão do prévio cancelamento do talonário (motivo 25 da Resolução 1.631/1989 do Banco Central).

Para a Terceira Turma, nesse caso, a empresa não pode ser considerada consumidora por equiparação com fundamento no artigo 17 do CDC. Isso porque o prejuízo, nessas situações, não é decorrência lógica e imediata de defeito do serviço bancário (REsp 1.324.125).

O recurso julgado pelo STJ era de uma rede de supermercados contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDF). Segundo o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, o roubo dos cheques, quando de seu envio ao correntista, foi devidamente contornado com o cancelamento do talonário e o não pagamento do cheque apresentado. Ele lembrou que o artigo 39 da Lei 7.357/1985 veda o pagamento de cheque falso ou adulterado.

Para o magistrado, eventuais danos causados diretamente por falsários não podem ser atribuídos à instituição financeira que procedeu em conformidade com a legislação, sob pena de se admitir indevida transferência dos riscos profissionais assumidos por cada um.

Se o banco cumpriu as normas legais, cancelou o talão e não pagou o cheque – acrescentou o relator –, seria incoerente e até antijurídico impor-lhe a obrigação de arcar com os prejuízos suportados por comerciante que, “no desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento”.

Cheque sem fundos emitido por c​​orrentista

Para o STJ, também o portador do cheque devolvido por falta de fundos não pode ser equiparado a consumidor, nem a instituição financeira responsabilizada pelo prejuízo. Ainda mais se foi o próprio correntista quem emitiu o cheque e não providenciou a necessária provisão de fundos.

Ao tomar essa decisão, a Terceira Turma reafirmou jurisprudência no sentido de que os bancos não são responsáveis por cheques sem fundos emitidos por seus correntistas, salvo se houver defeito na prestação dos serviços bancários. Para o colegiado, a relação entre o credor do cheque e o banco não se equipara à relação de consumo (REsp 1.665.290).

De acordo com os ministros, o fato de haver em circulação grande número de cheques ou de ser recente a relação entre o banco sacado e seu cliente, emitente dos títulos, não configura a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários e, consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais motivos, o recebedor do cheque sem fundos seja equiparado a consumidor.

Em seu voto, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, ressaltou que existem duas relações distintas a serem consideradas nesse tipo de demanda. A primeira, de natureza consumerista, é estabelecida entre o banco e seu cliente. A segunda, de natureza civil ou comercial, é construída entre o cliente do banco – emitente do cheque – e o beneficiário do título de crédito.

Para o magistrado, na segunda hipótese, apenas cabe a responsabilização da instituição se houver comprovação de defeito na prestação do serviço bancário – o que não ocorreu nos autos, segundo ele.

“Não se vislumbra, no caso, a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários oferecidos pelo recorrente, o que, por si só, afasta a possibilidade de se emprestar a terceiro – estranho à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidor por equiparação”, disse o ministro.​

STJ

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STJ: A venda de bens de pai para filho exige o consentimento dos demais

 

Direito Civil

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O STJ, ao interpretar a norma (inserta tanto no artigo 496 do Código Civil de 2002 quanto no artigo 1.132 do Código Civil de 1916), perfilhou o entendimento de que a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável.

Veja o acórdão:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA.  DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DOS DEMANDADOS.

  1. Conforme já decidido por esta Corte Superior, a alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável, cujo reconhecimento reclama: (i) a iniciativa da parte interessada; (ii) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; (iii) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; (iv) a falta de consentimento de outros descendentes; e (v) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado. Precedentes. (STJ – REsp 1356431/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 21/09/2017)?. Incidência da Súmula 83/STJ. 6. Agravo interno desprovido. (STJ – AgInt no REsp 1572768/PB, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 14/06/2021, DJe 17/06/2021)

 

Extrai-se do voto do Relator:

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE IMÓVEL – IMPROCEDÊNCIA – IRRESIGNAÇÃO – PRELIMINARES – A) OFENSA AO PRINCIPIO DA DIALETICIDADE – B) ILEGITIMIDADE ATIVA – REJEIÇÃO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA ART. 169, I CC/16 MÉRITO – VENDA DE IMÓVEIS – ASCENDENTE A DESCENDENTES – ART. 1.132 CC/16 – AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO DE TODOS OS DESCENDENTES – SIMULAÇÃO EVIDENCIADA PROVIMENTO DO RECURSO. – “…uma vez reconhecida que a venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais descendentes, em Contrariedade ao art 1.132 do Código Civil/1916, constitui ato anulável…” (REsp 752.149/AL, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 02/12/2010) – “A exemplo da norma expressa do art. 496 do novo Código Civil (2002) a venda ou transferência de ascendente a descendente sem o Consentimento dos demais na vigência do Código Civil de 1.916 (art. 1.132) é ato anulável.” (REsp 886.133/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe 03/11/2008).

No ponto, os agravantes reiteram a tese relativa à ilegitimidade ativa dos recorridos para o ajuizamento da ação anulatória de compra e venda dos imóveis, porquanto sequer eram registrados como filhos de Adonias Braga de Miranda.

O Tribunal estadual, soberano na análise do acervo fático-probatório, constatou o seguinte (e-STJ, fl. 835): Os terceiros apelados sustentam que os recorrentes são partes ilegítimas para figurar no polo ativo da demanda, sob o argumento de que os mesmos sequer eram registrados como filhos na época da venda dos imóveis.

Pois bem. Sabe-se que “legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão” (HumbertoTheodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 51′ ed., Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 74. Ora, se os autores, ora apelantes, sustentam que os recorridos lhe causaram prejuízos, por haverem simulado venda de imóveis entre ascendente e descendentes, sem anuência dos demais, e contra eles movem sua pretensão, são aqueles partes legítimas para mover a ação.

Dessa forma, os apelantes, na qualidade de filhos estão legitimados a pleitear à anulação de escritura pública de compra e venda quando há indícios de simulação.

(…) No caso em exame, não há nenhuma dúvida a respeito da configuração dos mencionados requisitos: (a) fato da venda, conforme os documentos de fls. 47/59;

  1. b) relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador;

(c) falta de consentimento de todos os descendentes (CC/1916, art. 1132); e

(d) prejuízo, já que os outros filhos foram preteridos.

Nesse contexto, alterar tais conclusões acerca da legitimidade ativa da parte recorrida exigiria, necessariamente, a reanálise das circunstâncias fático-probatórias, o que é vedado em âmbito de recurso especial, ante o óbice do enunciado 7 da Súmula deste Tribunal.”

STJ

 

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O sequestro de bens pelo juiz penal prevalece sobre o juízo trabalhista

 

Dir. Processual Civil

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Inexistindo disposição legal em sentido contrário, afigura-se possível a coexistência de múltiplas constrições patrimoniais sobre um mesmo bem, decretadas por Juízes diversos, sem implicar na usurpação de competência por quaisquer deles.

No entanto, é possível cogitar o conflito positivo da discussão acerca da existência ou não de primazia da medida assecuratória de índole penal (sequestro) sobre a decretada em sede de reclamação trabalhista (penhora), de modo a elucidar se a conduta do Juízo trabalhista, no sentido de antecipar a prática de ato expropriatório referente a bem sob o qual ainda recaia constrição decretada pelo Juízo criminal, consubstanciou usurpação de competência do último.

Inicialmente, cumpre rememorar que o sequestro é medida assecuratória voltada à retenção de bens móveis e imóveis do indiciado ou acusado, ainda que em poder de terceiros, quando adquiridos com os proventos da infração (art. 125 do CPP) para que deles não se desfaça, durante o curso da ação penal, de modo a assegurar a indenização da vítima ou impossibilitar ao agente que tenha lucro com a atividade criminosa. Transitada a ação penal e inexistindo ofendido a requerer a indenização, são os proventos do delito confiscados em prol da Fazenda Pública (arts. 133, § 1º, do CPP e 91, II, b, do Código Penal) e submetidos a alienação judicial ou transferidos diretamente ao ente público (art. 133-A, § 4º, do CPP).

De outra parte, a hipoteca legal (art. 134 do CPP) e o arresto (art. 136 do CPP) são direcionados à constrição do patrimônio lícito do acusado, a fim de que dele não se desfaça e dando garantia ao ofendido ou à Fazenda Pública de que o acusado não estará insolvente ao final do processo criminal, de modo a assegurar a reparação do dano por ele causado.

Tais medidas assecuratórias penais ostentam natureza distinta, pois enquanto o sequestro ostenta um interesse público – retenção e confisco dos bens adquiridos com os proventos da infração -, o arresto e a hipoteca legal ostentam interesse nitidamente privado – constrição do patrimônio lícito para fins de reparação de dano -, convicção essa robustecida na diversidade do procedimento para expropriação desses bens, pois enquanto os bens sequestrados são expropriados no Juízo penal (art. 133 do CPP), os bens arrestados ou hipotecados, em sede penal, são expropriados no Juízo cível (art. 143 do CPP).

Assim, considerando a natureza peculiar da medida assecuratória penal de sequestro (art. 125 do CPP) – verificada a partir do interesse público (aquisição com proventos da infração penal) e do fato de que a expropriação ocorre na seara penal -, deve ser reconhecida a primazia da referida constrição, frente àquela decretada por Juízo cível ou trabalhista (penhora), sendo indiferente qual constrição foi decretada primeiro.

Logo, incorre em usurpação de competência o Juízo trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na seara penal, ainda que objeto de constrição decretada em sede trabalhista (penhora).

Contudo, no caso, conquanto verificada a usurpação de competência, não deve ser declarada a nulidade do ato expropriatório praticado pelo Juízo Trabalhista, pois os bens submetidos à alienação judicial gozam de presunção (juris tantum), estabelecida pelo próprio Poder Judiciário e pela lei (art. 903 do CPC), de que são desembaraçados, ou seja, livres de ônus, sendo que a declaração de nulidade implicaria em descrédito de um instituto que depende de sua credibilidade para adesão dos arrematantes.

Desse modo, mantida a alienação, deve ser observado, no entanto, que a quantia obtida com a alienação judicial, promovida perante o Juízo incompetente deve ser revertida em prol da constrição decretada pelo Juízo penal, a fim de mitigar o prejuízo causado com a inobservância do direcionamento estabelecido na lei penal e processual penal (arts. 133, § 1º, do CPP, e 91, II, b, do Código Penal).

O acórdão ficou assim escrito:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. PLURALIDADE DE CONSTRIÇÕES PATRIMONIAIS (SEQUESTRO PENAL E PENHORA TRABALHISTA). POSSIBILIDADE.
CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO ENSEJA CONFLITO. ANTECIPAÇÃO, POR UM DOS JUÍZES, DA PRÁTICA DE ATO EXPROPRIATÓRIO. DISSENSO VERIFICADO.
POSSÍVEL USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. BEM OBJETO DE SEQUESTRO NO JUÍZO PENAL E ALIENADO JUDICIALMENTE NA JUSTIÇA TRABALHISTA, APÓS PENHORA.
PRIMAZIA DA MEDIDA CONSTRITIVA PENAL (SEQUESTRO) EM DETRIMENTO DA PENHORA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. INTERESSE PÚBLICO EVIDENCIADO (AQUISIÇÃO COM PROVENTOS DA INFRAÇÃO) E INTELIGÊNCIA DO ART. 133 DO CPP (EXPROPRIAÇÃO NA SEARA PENAL). DECLARAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO PENAL PARA PRÁTICA DE ATOS EXPROPRIATÓRIOS REFERENTES AOS BENS SEQUESTRADOS, SEM DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO ATO PRATICADO PELO JUÍZO TRABALHISTA, MAS COM DETERMINAÇÃO DE REVERSÃO DA QUANTIA OBTIDA COM A ALIENAÇÃO EM PROL DA CONSTRIÇÃO PENAL . LIMINAR CASSADA.
1. É possível a coexistência de múltiplas constrições patrimoniais sobre um mesmo bem, decretadas por Juízes diversos, sem implicar em usurpação de competência por quaisquer deles, sendo possível cogitar de conflito positivo apenas nas hipóteses em que verificada a antecipação, por um algum dos Juízes, da prática de ato expropriatório.
2. No caso, o Juízo trabalhista alienou judicialmente bem objeto de penhora (reclamação trabalhista) na pendência de medida assecuratória (sequestro) decretada por Juízo penal.
3. O sequestro ostenta natureza distinta das outras medidas assecuratórias penais (arresto e hipoteca legal), ante o interesse público verificado a partir da natureza dos bens objetos dessa constrição – adquiridos com os proventos da infração – e do procedimento para expropriação desses bens, que transcorre na seara penal (art. 133 do CPP).
4. Considerando a natureza peculiar do sequestro, há primazia da referida medida assecuratória frente à constrição patrimonial decretada por Juízo cível ou trabalhista (penhora), incorrendo em usurpação de competência o Juízo trabalhista que pratica ato expropriatório de bem sequestrado na seara penal, mormente considerando o interesse público verificado a partir da natureza dos bens – adq uiridos com os proventos da infração -, e do procedimento para expropriação, que transcorre na seara penal.
5. Conquanto verificada a usurpação de competência, não deve ser declarada a nulidade do ato expropriatório praticado pelo Juízo Trabalhista, pois os bens submetidos à alienação judicial gozam de presunção (juris tantum), estabelecida pelo próprio Poder Judiciário e pela lei (art. 903 do CPC), de que são desembaraçados, ou seja, livres de ônus, sendo que a declaração de nulidade implicaria em descrédito de um instituto que depende de sua credibilidade para adesão dos arrematantes.
6. Mantida a alienação, deve ser observado, no entanto, que a quantia obtida com a alienação judicial promovida perante o Juízo incompetente (Trabalhista) deve ser revertida em favor da constrição decretada pelo Juízo penal, a fim de mitigar o prejuízo causado com a inobservância do direcionamento estabelecido na lei penal e processual penal (art. 133, § 1º, do CPP e art. 91, II, b, do Código Penal). 7. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 11ª Vara Federal de Goiânia – SJ/GO para a prática de atos expropriatórios dos bens sequestrados nos Processos n. 2016-15.2016.4.01.3500 e n. 27740-11.2018.4.01.3500, sem declaração de nulidade do ato expropriatório praticado pelo Juízo da 18ª Vara do Trabalho de Goiânia/GO – relacionado ao veículo arrematado pelo interessado Megavox Auto-Falantes Ltda -, mas com determinação de reversão da quantia obtida com a alienação judicial em prol da constrição patrimonial decretada pelo Juízo penal, cassada a liminar.
(STJ – CC 175.033/GO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2021, DJe 28/05/2021)

STJ


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Candidato a cargo que exige curso técnico pode tomar posse com diploma superior na mesma área

 

Direito Administrativo

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A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.094), estabeleceu a tese de que o candidato aprovado em concurso público pode assumir cargo que, segundo o edital, exige ensino médio profissionalizante ou ensino médio mais curso técnico em área específica, caso não seja portador desse título mas possua diploma de nível superior na mesma área profissional.

Com o julgamento, que consolida jurisprudência pacífica no STJ, podem voltar a tramitar os recursos especiais e agravos em recurso especial que estavam suspensos – tanto no STJ quanto em segundo grau – à espera da definição do precedente qualificado.

A relatoria dos recursos coube ao ministro Og Fernandes, segundo o qual a Lei 8.112/1990 e a Lei 11.091/2005 – aplicada porque os casos analisados tinham relação com concurso do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – determinam que a investidura em cargo público só ocorre se o candidato tiver o nível de escolaridade exigido para o seu exercício, conforme a previsão do edital.

Titulação superior traz benefício para o serviço público

Para reforçar a tese de que a aceitação de título superior àquele exigido no edital não viola a discricionariedade ou a conveniência da administração, o relator destacou que, no caso do REsp 1.888.049, o candidato foi aprovado para o cargo de técnico de laboratório, área química, e teve negada a sua investidura por não possuir certificado de ensino médio profissionalizante na área de química. Entretanto, apontou, o candidato é bacharel e mestre em química, está fazendo doutorado na área e tem registro no Conselho Nacional de Química.

Com base nesse exemplo, Og Fernandes ressaltou que a possibilidade de titulação superior à exigida pelo edital traz diversos benefícios, como a ampliação do leque de candidatos, tornando mais competitivo o certame, além do aperfeiçoamento do próprio serviço público, já que servidores mais qualificados podem ser recrutados pela administração.

“Tal postura se coaduna com a previsão do artigo 37 da Constituição Federal, que erige o princípio da eficiência entre os vetores da administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios”, afirmou.

Aplicação dos princípios da razoabilidade e eficiência

Nos termos de parecer do Ministério Público Federal (MPF), o magistrado enfatizou que a titulação superior àquela exigida no edital, na mesma área profissional, satisfaz inteiramente o requisito de escolaridade para a posse no cargo público. Para o MPF, essa possibilidade tem relação com os princípios da razoabilidade e da eficiência, já que o concurso é o sistema escolhido pela administração para selecionar o candidato mais capacitado.

Ao propor a tese, Og Fernandes lembrou que, embora a jurisprudência do tribunal já esteja consolidada nesse sentido há bastante tempo, a questão foi afetada para o rito dos repetitivos devido à resistência da administração pública, que acaba gerando múltiplas demandas judiciais.

“Após firmar-se o precedente vinculante em recurso repetitivo, os tribunais locais terão o instrumental para evitar a subida de recursos ao STJ, e o Poder Judiciário deverá considerar como litigância de má-fé a eventual postulação contra precedente vinculante”, concluiu.

 Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1888049REsp 1898186REsp 1903883
STJ

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